sábado, 13 de março de 2010

A teta decapitada - Por Sonia Kasper Faillace


A teta decapitada

Por Sonia Kasper Faillace



Estava eu, “como a linda Ignez posta em sossego”, quando ouço a voz da minha filha Daniela que acabara de chegar. Ela é a mais pragmática dos meus filhos e vai sempre direto ao ponto que precisa ser resolvido. - “Mãe, já arrumaste a mala?” - indagou. Mala? Hum...pensei eu. Mala lembra viagem. Para onde ia viajar? Já estava pensando para que lugar paradisíaco eu iria viajar. Esta mania de fazer associação de palavras e com elas voar...

- “Mãe, precisamos arrumar a mala porque tu vais para o hospital fazer uma mastectomia”, continuou minha filha. Já estava novamente fazendo associações, agora por conta do meu ofício de professora de História. Mastectomia me lembrou decapitação: cabeças decapitadas em 1789, tetas decapitadas em 2009. Já estava em plena Revolução Francesa, fazendo empatia com a Rainha Maria Antonieta. Ela subiu ao cadafalso onde colocaram seu jovem pescoço na guilhotina para ser decapitado. Que medo ela deve ter sentido!

Quando somos experimentados por uma adversidade, compreendemos melhor as pessoas e até os personagens históricos. Como esta rainha - que para alguns foi fraca, vaidosa e alienada - deve ter sentido medo! Também senti medo ao saber que ia perder uma mama, mas guardadas as proporções de tempo e espaço, as decapitações em 1789 matavam e as de 2009 nos devolvem a vida. Assim, eu tive volta; e a infeliz Rainha não.

Como é bom viver em 2009! Ao invés de carrascos e guilhotinas, temos médicos competentes e modernos instrumentos cirúrgicos que, quando necessário, “decapitam” com precisão a mama afetada. Este procedimento impede que as células alteradas entrem na circulação sanguínea e ocasionem a metástase - que aí sim, resultaria em perda de vida.

Dois meses após me submeter a tal procedimento, eu estava restabelecida e curada. Mas algumas medidas fizeram a diferença para que eu chegasse a este resultado, como os exames rotineiros que detectaram a doença na fase inicial, principalmente a mamografia. Ela pode diagnosticar tumores, desde os mais baixos até os mais severos. No meu caso, foi detectado um carcinoma ductal, in situ, de baixo grau, porém multifocal. Ou seja, vários focos estavam espalhados pela mama. Neste caso é recomendado a mastectomia para a retirada total destes focos, impedindo que eles perfurem posteriormente as paredes do ducto e invadam os tecidos vizinhos.

Perdi a mama, mas não perdi a vida - o que, provavelmente, aconteceria se eu não tivesse o hábito da mamografia rotineira. Quando o diagnóstico não trás a palavra multifocal, a possibilidade de cura se aproxima de 100% apenas com tratamentos; sem técnicas invasivas.

A grande pergunta que deixo é esta: o que podemos fazer para esclarecer as camadas mais necessitadas da sociedade brasileira? Acho que é lutar e fiscalizar as políticas de saúde no controle do uso da mamografia. Sabemos que as chances de cura aumentam de acordo com a precocidade do diagnóstico. Portanto, o conhecimento prévio faz a diferença para a cura.

É um direito das mulheres exigir o estabelecimento de políticas públicas que incentivem o diagnóstico precoce, pois 95% das mulheres com a doença podem ser curadas se puderem contar com profissionais qualificados e equipamentos especiais que garantam alta qualidade de imagem. Se temos deveres, como, por exemplo, pagar impostos, também temos direitos. E um deles é uma vida plena e saudável.

"ÉTICA" DE CAMPANHA: Aristóteles, Hobbes & Dirceu

Queridos amigos Duarte e Ramos - opré!

É possível que nossa Santa e Idosa Filosofia para nada sirva, além dos teorismos academicistas em contínuo processo de mofação curricular. E, além, das tosses e pigarros dos doutos doutores carreiristas.Todavia, esses mesmos teorismos maturados e retornados à vidaviva - de onde sairam - sem dúvida nos ajudam a perceber com quantos níveis-reais se faz uma Realidade.

Vejam vocês, Aristóteles nos diz que somos animais sociais e políticos - seres da pólis, por natureza. E, acrescenta que, além de sociáveis, somos por natureza senhores-e-escravos (uns são feitos para mandar outros para obedecer). Já Hobbes, afirma que não é nada disso. Nem sociais, nem políticos. Somos, cada um, um lobo tentando devorar o outro lobo (homo hominis lupus).
E pra não morrer todo mundo a gente faz um pacto. Quer dizer: somos políticos por necessidade e não por natureza. Aristóteles ou Hobbes? Não importa, O que importa na vidaviva é sentipensar e compreender que, seja em política, seja em outra instância social, estamos sempre querendo montar no outro - queremos o poder. Esse interêsse-pelo-poder nos move socialmente e muitas vezes afetivamente. O diabo é que em torno desse caroço-real, inventamos muitas cascas teóricas: mitos, teorismos, ideologismos, teses, tesinhas e tesões - e, acabamos acreditando tão-só nas cascas, esquecendo o caroço-real. Caroço e casca políticas, ambos perfazem a rede de realidades que nos atravessa e que atravessamos. Os debates políticos se tornam rixas banalizadas justo porque ou nos fixamos só na casca, ou só no caroço, das idéias, fatos e conseqüências.

Mas o que disse o Dirceu? O inteligente e maquiavélico Dirceu nos diz que política é um ponto de vista. Como? Ora, é o próprio Dirceu que afirmou e confirmou ter recebido a tal grana (embora os partideiros do PT do Lula continuem negando, já fora de tempo e sem nada entender). Mas, recebeu por consultoria divina! Esse negocio de propina é uma outra perspectiva que não a do Dirceu. Problemas de significado e significante que a filosofia analítica, mergulhada nas academicites e mal informada da vida, continua negando existir (só existe o significado). Propina elitista ou consultoria divina do PT? Quem sabe? O Real são reais.

Baudrillard, filósofo-sociólogo transgressivo como nós, maluco beleza frances que morreu há pouco, nos deixou, com seu modo forte e irônico, uma análise polêmica da política-simulacro de nosso tempo. Aliás, de certa maneira, de todos os tempos. Diz ele: "Não acredito que as pessoas se iludam sobre a substância política das eleições. Mas se serviram à sua maneira - cinematográfica, por assim dizer: extraíram do meio eleitoral um efeito especial... não há nada mais ambíguo do que impelir alguém ao poder.... Em algum lugar, no mais íntimo da famosa "consciência popular", a classe política, seja ela qual for, permanece o inimigo fundamental. Ao menos, é preciso esperá-lo."

Mas uma coisa é certa: o processo de Dirceu no Supremo está "engavetado", por isso a sombra de Dirceu ronda o Planalto mais sorridente do que nunca. É preciso esperá-lo em sua impunidade.

Optchá!
rubengnunes

EU CANTO O CORPO ELÉTRICO -


EU CANTO O CORPO ELÉTRICO
poema de Walt Whitman (trecho)

Esta é a forma fêmea,
dela dos pés à cabeça emana um halo divino,
ela chama com ardente atração irrecusável,
sou absorvido por seu respirar como se não fosse mais do
que um vapor indefeso, tudo fica de lado a não ser ela e eu,
os livros, a arte, a religião, o tempo, a terra sólida e visível,
e o que do céu se esperava e do inferno se temia, tudo se acaba
estranhos filamentos, incontroláveis renôvos aparecem fora dela,
e a ação correspondente também incontrolável,
cabelo, peito, quadrís, curvatura das pernas, mãos displicentes caindo,
todas difusas, difusas também as minhas
maré de influxo e influxo de maré, carne de amor inturgescendo
e a doer deliciosamente

Eis o núcleo - depois vem a criança nascida de mulher,
vem o homem nascido de mulher,
eis o banho de origem e emergência do pequeno e do grande,
e a saída outra vez.

Não vos vexeis, mulheres: em vosso privilégio tendes fechados os outros
e está a passagem dos outros,
vós sois os portões do corpo e sois os portões da alma.

A Sociedade Mundial da Cegueira - Leonardo Boff


A Sociedade Mundial da Cegueira

O poeta Affonso Romano de Sant'Ana e o prêmio Nobel de literatura, o português José Saramago, fizeram da cegueira tema para críticas severas à sociedade atual, assentada sobre uma visão reducionista da realidade. Mostraram que há muitos presumidos videntes que são cegos e poucos cegos que são videntes.

Hoje propala-se pomposamente que vivemos sob a sociedade do conhecimento, uma espécie de nova era das luzes. Efetivamente assim é. Conhecemos cada vez mais sobre cada vez menos. O conhecimento especializado colonizou todas as áreas do saber. O saber de um ano é maior que todo saber acumulado dos últimos 40 mil anos. Se por um lado isso traz inegáveis benefícios, por outro, nos faz ignorantes sobre tantas dimensões, colocando-nos escamas sobre os olhos e assim impedindo-nos de ver a totalidade.

O que está em jogo hoje é a totalidade do destino humano e o futuro da biosfera. Objetivamente estamos pavimentando uma estrada que nos poderá conduzir ao abismo. Por que este fato brutal não está sendo visto pela maioria dos especialistas nem dos chefes de Estado nem da grande mídia que pretende projetar os cenários possíveis do futuro? Simplesmente porque, majoritariamente, se encontram enclausurados em seus saberes específicos nos quais são muito competentes mas que, por isso mesmo, se fazem cegos para os gritantes problemas globais.

Quais dos grandes centros de análise mundial dos anos 60 previram a mudança climática dos anos 90? Que analistas econômicos com prêmio Nobel, anteviram a crise econômico-financeira que devastou os países centrais em 2008? Todos eram eminentes especialistas no seu campo limitado, mas idiotizados nas questões fundamentais. Geralmente é assim: só vemos o que entendemos. Como os especialistas entendem apenas a mínima parte que estudam, acabam vendo apenas esta mínima parte, ficando cegos para o todo. Mudar este tipo de saber cartesiano desmontaria hábitos científicos consagrados e toda uma visão de mundo.

É ilusória a independência dos territórios da física, da química, da biologia, da mecânica quântica e de outros. Todos os territórios e seus saberes são interdependentes, uma função do todo. Desta percepção nasceu a ciência do sistema Terra. Dela se derivou a teoria Gaia que não é tema da New Age mas resultado de minuciosa observação científica. Ela oferece a base para políticas globais de controle do aquecimento da Terra que, para sobreviver, tende a reduzir a biosfera e até o número dos organismos vivos, não excluidos os seres humanos.

Emblemática foi a COP-15 sobre as mudanças climáticas em Copenhague. Como a maioria na nossa cultura é refém do vezo da atomização dos saberes, o que predominou nos discursos dos chefes de Estado eram interesses parciais: taxas de carbono, níveis de aquecimento, cotas de investimento e outros dados parciais. A questão central era outra: que destino queremos para a totalidade que é a nossa Casa Comum? Que podemos fazer coletivamente para garantir as condições necessárias para Gaia continuar habitável por nós e por outros seres vivos?

Esses são problemas globais que transcendem nosso paradigma de conhecimento especializado. A vida não cabe numa fórmula, nem o cuidado numa equação de cálculo. Para captar esse todo precisa-se de uma leitura sistêmica junto com a razão cordial e compassiva, pois é esta razão que nos move à ação.

Temos que desenvolver urgentemente a capacidade de somar, de interagir, de religar, de repensar, de refazer o que foi desfeito e de inovar. Esse desafio se dirige a todos os especialistas para que se convençam de que a parte sem o todo não é parte. Da articulação de todos estes cacos de saber, redesenharemos o painel global da realidade a ser comprendida, amada e cuidada. Essa totalidade é o conteúdo principal da consciência planetária, esta sim, a era da luz maior que nos liberta da cegueira que nos aflige.

Leonardo Boff á autor de A nova era: a consciência planetária, Record (2007)